sexta-feira, 18 de março de 2011

BH: cenário e personagem - Patrus Ananias


| Patrus Ananias |

“Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava... São tantos os nomes que nos fazem pensar na contribuição de Minas e de Belo Horizonte à literatura brasileira e mundial”


BH: cenário e personagem


Certa vez recebi, como prefeito de Belo Horizonte, a visita do escritor peruano Mario Vargas Llosa, agora Prêmio Nobel de Literatura, e tivemos uma longa e boa conversa. Certa altura, quando lhe falei que Guimarães Rosa havia estudado muitos anos em Belo Horizonte – Colégio Arnaldo e Faculdade de Medicina da UFMG –, ele se mobilizou por inteiro e perguntou-me com ênfase se ele havia estudado e nascido aqui. Expliquei que estudou e viveu um tempo, mas não nasceu aqui; nasceu numa pequena e simpática cidade, Cordisburgo, nome lindo, que fica a menos de 100 quilômetros de Belo Horizonte. Vargas Llosa incluía
Guimarães Rosa entre seus grandes mestres na arte de pensar e escrever. Sabia tudo sobre ele.
Fiquei, depois, pensando: não só Guimarães Rosa estudou e viveu em Belo Horizonte seus anos de formação. Logo de início me ocorreram dois nomes definitivos: Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava. Mas são tantos outros que nos fazem pensar sobre a contribuição de Minas e, particularmente, de Belo Horizonte, à literatura brasileira e, no caso dos três mencionados, à literatura mundial.
Se BH embalou os sonhos de muitos jovens que mexeram fundo no imaginário e na cultura do Brasil, tornou-se também tema de importantes obras literárias. Inspirou dois noturnos: de Mário de Andrade e de Dantas Mota. Pedro Nava deu-nos Beira Mar, em que a grande aventura belorizontina dos anos 20 do século passado recebe um título pelo avesso – as montanhas e os geraes do sertão cedem lugar ao murmúrio distante das ondas do mar. A vocação universal de Belo Horizonte espraia longe as suas fronteiras...
Pedro Nava integrou, em Belo Horizonte, o grupo esplêndido que reunia Carlos Drummond de Andrade, Milton Campos, Emílio Moura, Abgar Renault, Aníbal Machado, Cyro dos Anjos.
Cyro dos Anjos deu-nos dois livros importantes sobre BH, O Amanuense Belmiro e suas memórias, Mocidade, amores, que foram integradas na segunda parte do A Menina do Sobrado. O Amanuense é um grande romance em sua discrição machadiana. Mocidade, na melhor tradição proustiana, interage a dimensão memorialística com os territórios da ficção. BH, mais do que um cenário, é uma personagem múltipla.
A capital mineira contribuiu dando ao Brasil grandes escritores. Veio a geração dos anos 40 e 50: Fernando Sabino, Otto Lara Rezende. Autran Dourado, que tem a obra impregnada de Minas, fez em BH o curso de Direito na UFMG. Murilo Rubião, do inesquecível O ex-mágico, deixou sua marca na cultura de Belo Horizonte e de Minas, compondo um legado no qual se destaca o Suplemento Literário.
Os anos nos trazem Benito Barreto, com sua admirável tetralogia Os Guaianãs. Lembremos de Oswaldo França Júnior e Roberto Drummond, este último uma espécie de cronista enamorado da cidade. Rui Mourão apresenta-se com uma obra singular e instigante, culta. Bartolomeu Campos de Queirós integra os superiores padrões de convivência, prosa e poesia, ficção e memória, compondo literatura para todos os tempos e idades. E surge Jaime Gouvea do Prado, com um romance inquietante sobre o altar das montanhas de Minas. Carlos Herculano Lopes com uma obra admiravelmente cinematográfica. Tem ainda os sertanejos, que voltaram às fontes e às raízes, como Luiz Vilela, em Ituiutaba, e Drummond Amorim em Bocaiúva. Eles muito aprenderam com “a alma encantadora das ruas” de Belo Horizonte. E como olvidar Sérgio Sant’Ana, e Alcione Araújo com o seu denso romance Nem mesmo todo o oceano?
Poderia citar tantos mais. De antemão já peço desculpas. O limite do espaço abriga omissões. Mas é apenas para exemplificar a importância da literatura na história de Belo Horizonte. E o que vale para a literatura vale para as demais artes, vale para a filosofia, para o direito, para a história, para a ciência política. Belo Horizonte tem a marca da cultura e da inquietação do pensamento aberto e libertário.

Publicado Revista Encontro

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