quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

MINEIRISMO & MINEIRICE





São João del-Rei é uma das indicações de que o espírito mineiro se define
historicamente pela junção da política com a cultura, ou seja, nele, a busca
pelo poder não se separa da atração pelo mundo das ideias e pelo esmero de
sua expressão formal. Esta é a marcha de nosso processo histórico, que nunca
se desviou, desde a Inconfidência, que constitui a primeira expressão da
consciência coletiva em Minas Gerais.
Esta convergência entre formação cultural e ação política provocou uma
espécie de curiosidade sobre a maneira de ser dos mineiros, que assume
diversos matizes, desde o afetuosamente interpretativo, até o caçoista, o crítico
e o cáustico demolidor. O feitio mineiro é discutível, pode ser apreciado ou
denegrido, pouco importa. Mas não é indeciso nem misterioso. Decorre, repito,
da confluência entre o desejo do poder e o gosto das letras, na formação das
elites mineiras.
Proponho a análise do conjunto partindo de uma categoria geral, que chamarei
a mineiridade, e da individualização dos elementos componentes dessa
categoria, aos quais chamarei mineirismo e mineirice.
O conceito da mineiridade se subdivide em mineirismo cultural e mineirice
política. Aí tendes a minha proposta de interpretação do espírito mineiro.
Nós, mineiros, temos provocado a curiosidade benévola e o desgosto irritadiço,
desde os primeiros tempos da Capitania das Minas Gerais.
Martinho de Melo e Castro, o Ministro português, chamou a atenção do
Governador da Capitania, Visconde de Barbacena, sobre a delicada tarefa que
era governar os mineiros.


 O erro de Visconde talvez tenha sido confundir
mineirismo com mineirice, ou seja, supor que os devaneios intelectuais dos
poetas inconfidentes (mineirismo) eram perigosas manobras políticas
(mineirice). O Visconde de Barbacena cometeu esse erro trágico.
Depois da Independência, José Bonifácio de Andrade e Silva usou expressões
contundentes para com os mineiros. O sábio Patriarca também carregara na
nota da mineirice, sem atentar no mineirismo.

O sábio francês, Saint-Hilaire destaca, principalmente, os aspectos do
mineirismo. O que ele diz, por exemplo, sobre a conversa que entreteve com o
Ermitão do Caraça, é prova da cultura deste último. E o Caraça foi uma das
últimas chocadeiras da mineiridade. No Primeiro Reinado e na Regência, o
mineirismo cultural e político encontra a sua expressão estelar e simbólica em
Bernardo Pereira de Vasconcelos. Ninguém mais do que ele, em toda a
História de Minas, equilibrou de maneira tão possante a amplidão da cultura
com a paixão do poder.
Sucessivamente, no Império e na República, o mineirismo cultural é
proclamado por homens como Francisco Otaviano, Pedro Moacir, Alceu
Amoroso Lima ou Sílvio Vasconcelos, enquanto a mineirice política é
denunciada por Pinheiro Machado, Washington Luís, Rubem Braga, Otto Lara
Resende, Fernando Sabino, Carlos Castello Branco, Sebastião Nery e vários
outros.
O fato é que o mineirismo cultural e a mineirice política confluem para a síntese
histórica da mineiridade, e isto se aplica mesmo àqueles mineiros que não
vivem nem no mundo da cultura, nem no da política, mas cuja formação seja
acentuadamente mineira. Certo é que existem grandes diferenças de dosagem,
no conjunto das personalidades consideradas.
Em alguns mineiros, sempre houve mais mineirismo do que mineirice.
 Em outros dá-se o contrário. Raro é que mineirismo e mineirice se equilibrem,
como acontece nos casos de Antônio Carlos, Afonso Pena Júnior, Afrânio de
Melo Franco, Juscelino Kubitschek, Gustavo Capanema ou José Monteiro de
Castro. Em Teófilo Otoni, Cesário Alvim, João Pinheiro, Virgílio de Melo
Franco, Milton Campos, Edgard da Mata Machado, Carlos Drummond de
Andrade, Paulo Mendes Campos e Pedro Nava o mineirismo prevalece
largamente, quase não há mineirice a não ser para o gasto. Em Nava,
Drummond, Alphonsus de Guimarães Filho, Austen Amaro dá-se, mesmo, o
caso raríssimo de falta completa de mineirice. Em Juscelino Kubitschek, José
Maria de Alkmim, Magalhães Pinto, José Aparecido é a mineirice que
predomina. Caso estranho é o de Guilherme Machado: ele finge que só tem
mineirice, mas não é verdade; Guilherme tem sólida caderneta de poupança de
mineirismo. Uma de suas mineirices é esconder-lhe o saldo.
A minha geração foi pródiga em mineirismo cultural, dentro da mineiridade
histórica. Nela incluo, sob esse aspecto, Rodrigo Melo Franco de Andrade,
Milton Campos, Euríalo Canabrava, Guimarães Rosa, João Alphonsus, João
Gomes Teixeira, Abgar Renault, Pedro Nava, Gustavo Capanema, Carlos
Drummond de Andrade, Cyro dos Anjos, Dario de Almeida Magalhães, Paulo
Pinheiro Chagas. Eis uma galeria imponente, a que falta, talvez, um ou outro
retrato. Bem gostaria que fosse o meu próprio. Nela, as tentativas de mineirice
política de Milton, Abgar, Dario, Cyro, Pinheiro Chagas, Afonso não
convenceram. Recolhamo-nos à nossa histórica insignificância. Deixemos livre
o campo da mineirice vitoriosa para Arthur Bernardes, Raul Soares, Bueno
Brandão, Antônio Carlos, Mello Vianna, os quais tanto vi na infância ou
juventude, ou Juscelino, Alkmin, Magalhães Pinto, José Bonifácio Filho, da
minha geração, ou este endiabrado José Aparecido, da geração mais nova.
(...) O ponto sobre o qual desejo insistir, no fecho desta análise, é aquele
inicialmente referido, ou seja, o enlace da cultura com a política, do mineirismo
com a mineirice, para chegar à síntese da mineiridade.
(...) Nunca houve, na República, concordância maior, entre a escuta do Brasil e
a voz de Minas, do que neste ano em que subis à representação oficial daquela
voz, Senhor Acadêmico Tancredo Neves.
Em entrevista concedida à revista “Veja”, já eleito Governador, vós apresentais
uma interpretação muito aguda e plausível, não cultural mas política, do feitio
mineiro, ao afirmar:
riqueza do Sul e começa a pobreza do Norte.”
“Não existe mineiro radical. Nós vivemos onde termina a
(...) Senhora Acadêmico Tancredo Neves, pelas vossas origens familiares, pela
vossa formação pessoal, pela vossa experiência política, representais
exemplarmente a mineiridade, o espírito da terra e do povo de Minas Gerais.
Posse de Tancredo Neves na Cadeira n. 12 - Sessão na Academia Mineira de
Letras
Afonso Arinos de Melo Franco - Escritor e Político

MINEIRISMO & MINEIRICE

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