sábado, 8 de janeiro de 2011

OS DIAMANTES DE MINAS

OS DIAMANTES DE MINAS

Minas pra mim é o chão de ver revendo; de curtir comendo suas comidas
coloridas de urucum; de procurar no mercado queijo do Serro, que não tem
mais. Só vendem imitações e uma coalhada dura do gosto dos cariocas. Minas
é meu lugar de ver as mineiras com seu erotismo disfarçado mas veemente.
De descer buracos fundos como o de Morro Velho; de subir morrarias abruptas
como as que cercavam Belo Horizonte e os japoneses comeram. Minas, para
mim, é lugar de procurar o riozinho Tripuí, onde um negro antigo descobriu as
primeiras pepitas de ouro preto. De passagem dá para ver Ouro Preto,
Mariana, Congonhas e outras criações que os mulatos mineiros obraram para
nos embasbacar.

Mas Minas é também terra de me entristecer muito demais, vendo minha pátria
verde ficar careca porque a canalha derruba todo o pé de pau para fazer
carvão. É sofrer solidário a penúria do povão mineiro do rio São Franciscão
cheio de surubim e piaba, atravessando desertos antiquíssimos. Agora os
querem molhar para plantar melão e uva. Minas é a praça da Liberdade, onde
eu flertava com as mocinhas em flor, antes de fugir para São Paulo. Lá
pusemos uma placa para o governador: “É proibido comer grama”. Minas é
Barbacena, onde eu tinha uma tia louca muito engraçada, que morreu. Agora a
cidade só cuida do plantio de rosas alemãs. Escandalosas.

Minas, apesar de tudo, ainda há, oh Carlos. Antes de morrer, quero ver
Diamantina, andar nos seus pedrais colhendo flores secas que só lá tem. E
Montes Claros, que no meu tempo tinha 3.000 moradores e agora tem 300 mil
– a coitadinha afogou-se em gente. Felizmente ainda tem a carne-de-sol de
dois pêlos, que meu irmão me manda, meio falsificada. E Teófilo Otoni
também, com suas duas belas preguiças, espreguiçando na praça Tiradentes,
e o povo espreguiçando ao redor, buscando pedraria de enganar baiano.

Minas é Belo Horizonte, cidade engenheiril, feita a teodolito, com suas retas de
deor do princípio ao fim, desconhecendo a morraria.

Minas é sobretudo meu chão que me acende de furor pátrio-mineiro,
lembrando Filipe e Tiradentes. Um dilacerado por quatro bestas; o outro
enforcado e esquartejado. Morro de inveja deles. Quisera ser mártir.

O que me exalta mesmo é o Aleijadinho, autor das coisas mais bonitas que
Minas viu. Inclusive a cabeça de Isaías, o da boca queimada pela palavra de
Deus. Nunca provei nem brasas dessa verdade. Queria mesmo era escrever
um livro mostrando que Aleijadinho nunca foi aleijado coisíssima nenhuma.Era
um homão bonito e namorador.

Coisas todas, como você vê, de recordar, rever e curtir, não de escrever sobre.
Darcy Ribeiro - Antropólogo e Escritor

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