domingo, 9 de janeiro de 2011

SER MINEIRO É UMA BÊNÇÃO DE DEUS, UAI



SER MINEIRO É UMA BÊNÇÃO DE DEUS, UAI


Mineiro que vai, mineiro que fica, mineiro que vem – tudo é mineiro, uai. Tudo é
sonhador. Porque o que, primeiro, define o mineiro é a busca do sonho
impossível. É este dar a vida por um sonho ou uma quimera.
Pelo sonho da liberdade, Felipe dos Santos foi arrastado nas patas de um
cavalo.
E se pudesse gritar, gritava, como quem grita o nome da mulher amada:
- Liberdade!
Pela quimera da liberdade, essa amante tardia, que chega sempre depois da
hora (embora um dia sempre chegue), Tiradentes deu a vida e se mais vidas
tivesse, mais vidas daria à amante única.O mineiro Santos Dumont, na busca do impossível, deu asas ao sonho humano
de voar.
O mineiro Juscelino plantou uma cidade de concreto no cerrado como se
plantasse uma flor.
Já o mineiro Édson Arantes do Nascimento, Pelé, sempre perseguiu o
impossível: fez mais de mil gols, sempre por tortuosos caminhos. Perseguia o
difícil. Nada do drible fácil. Nada de gol que não provoque um incêndio na
alma. E perseguiu aquele que seria o gol impossível, que nunca fez:
surpreender o goleiro com o chute de meio-de-campo, encobrindo-o e fazendoo pisar a grama que o diabo plantou – enquanto ele, Pelé, mineiro e São Tomé,
sempre precisando ver para crer, iria festejar, dando um salto da alegria e
esmurrando o ar.
Que fez o mineiro Ivo Pitanguy senão realizar o sonho impossível, decretando
a eterna juventude na mágica do seu bisturi?
Mineiro é religioso, mesmo quando ateu.
Mineiro tem sempre um sino tocando dentro do peito.
Tem sempre uma procissão passando, com beatas cantando desentoadas, na
sua memória.
E se o mineiro não fosse assim, acima de tudo um devoto, teria conspirado
contra Deus, que deu a Minas esta valentia, esta determinação, esta busca do
sonho, onde o sonho estiver, mas privou Minas do mar tão desejado. Se Minas
tivesse mar, isto aqui seria o paraíso. Mas como não dá para transformar os
rios em mar, o mineiro planta sonhos como se plantasse uma roça de milho.
Acho que toda manhã o mineiro deveria ajoelhar-se em dois bagos de milho, à
moda das beatas do interior de Minas, e rezar assim:
- Obrigado, Senhor, por fazer de mim um mineiro.O mineiro é uma lenda? É um folclore? É ficção? É mentira pura? É o fato? É a
versão do fato?
Os invejosos, os que não receberam a dádiva divina de em Minas nascer,
gostam de folclorizar o mineiro. Aí dizem:
- O mineiro está sempre em cima do muro!
Mas eu pergunto:
- Tiradentes estava em cima do muro?
Mais uma vez pergunto:
- Juscelino, que enfrentou os militares, que vetaram sua candidatura, e depois
foi cassado, aprisionado, exilado, alguma vez estava em cima do muro?
Reza o folclore que o mineiro é pão-duro. É sovina. Ama o dinheiro. Ama criar
bancos - e aqui já não é folclore, é verdade. Dizem que o mineiro típico nunca
abre a mão. Mas eu acrescento: quando o mineiro abre a mão, está lá, tatuado
por Deus na palma que é a sua alma, o orgulhoso “M” de Minas. Porque o
mineiro é orgulhoso. E onde estiver, em Belo Horizonte, São Paulo, Rio,
Brasília e nas estradas do mundo (EUA, Austrália, Portugal, Canadá), ele
carrega o orgulho de ter nascido nestas Minas Gerais.
O mineiro ama conspirar, como ama comer pão de queijo ou torresmo.
Em Minas (se alguém já disse, eu confirmo) há sempre uma conspiração em
curso. Altaneiro, mais que amigo: amante da liberdade, é um criador de auroras
e aleluias. Não abaixa a cabeça para os tiranos. Não se dobra como uma
árvore dobra. E tem um lema caro em nosso coração, que determina nossa
conduta:
- De joelhos, só diante de Deus!
Roberto Drummond é jornalista e escritor de idade desconhecida e não
revelada. Autor do romance Hilda Furacão e Cheiro de Deus (em produção)

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