sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O realismo de Dilma e a astúcia de Aécio Neves

O realismo de Dilma e a astúcia de Aécio Neves
O tucano mineiro opera uma “aeciozação” das gestões estaduais. Se o projeto der certo, será um trunfo para 2014. Já a presidente da República sabe que o crescimento econômico depende da recuperação dos Estados
Governo de Minas Gerais / Ricardo Stuckert
Aécio Neves, senador eleito por Minas Gerais, tem muito
mais sintonia com o ex-presidente Lula da Silva, na sua
astúcia e moderação, do que com os tucanos tradicionais
de São Paulo
O sucesso administrativo da presidente Dilma Rousseff depende muito mais da taxa de crescimento econômico do que de tacadas publicitárias. É o óbvio, mas às vezes o óbvio precisa ser bisado. Como entende de economia, Dilma sabe que o crescimento depende fundamentalmente do desempenho dos Estados, desde as locomotivas, como São Paulo e Minas Gerais, aos emergentes, como Goiás e Mato Grosso. Resultados negativos nas regiões produtoras de commodities, como Goiás e Mato Grosso, afetam dura e diretamente a balança comercial. Por isso, o presidente da República, qualquer que seja a sua filiação partidária, não pode apoiar tão-somente os Estados geridos por aliados e amigos. Tem de pensar globalmente. Por conta da centralização de recursos na União, e às vezes por má gestão, muitos Estados estão praticamente quebrados e precisam do governo federal para recuperar tanto sua infraestrutura quanto sua capacidade de investir. Para a surpresa de muitos, um dos Estados com problemas de caixa, com certa desordem administrativa, é São Paulo. Sem muito alarde, mesmo assim com crises pontuais, Geraldo “Picolé de Chuchu” Alckmin tem mostrado que, pelo menos como governador, seu aliado tucano José Serra não era exatamente uma Brastemp.
 
Num quadro de crise praticamente generalizada, com algumas ilhas de excelência, não soa estranha a espécie de trégua pregada pelo mineiro Aécio Neves, do PSDB. Governador por dois mandatos, eleito senador em 2010, Aécio é um político astuto, de um realismo que incomoda aqueles que querem resolver tudo de uma tacada, eventualmente sem entender a questão do timing. Se radicaliza agora, antecipando uma campanha política que se dará daqui a quatro anos, mas sem poder oferecer ajuda aos governadores, que estão com o pires, a panela e o barril nas mãos, o líder mineiro ficará falando sozinho, dialogando com o sol e com a lua. Noutras palavras, deixará de ser um político tancredo-nevista e se tornará, por assim dizer, um poeta. Como diria o “ex-príncipe” Fernando Henrique Cardoso, os poetas podem ser nefelibatas, mas os políticos têm o dever de pensar no possível, mesmo quando almejam o impossível, que, adiante, pode se tornar possível.
 
Então o moderado binômio “oposição com responsabilidade”, por mais que não pareça oposicionista, tem sua razão de ser. É pueril avaliar que o PSDB não vai fazer oposição, não raro agressiva. Mas seus líderes, se não quiserem perder a quarta eleição presidencial em 2014, certamente vão reavaliar com menos bílis o que deu errado nas três últimas eleições. Aécio não está mirando em Alckmin e Serra. Sua estratégia é a mesma de Lula, que, depois de perder três eleições consecutivas, mudou praticamente todas as suas táticas, reinventando-se como político, mas sem, no geral, perder sua identidade. Pode parecer exagero, mas Aécio é o Lula tucano. O senador eleito deve estudar amiúde a história política de dois mineiros: a de Juscelino Kubitschek e a de Tancredo Neves. Ambos eram moderados, faziam alianças surpreendentes e buscavam o tempo certo para posicionarem-se. Não que ficassem esperando o tempo certo para agir. Não é isso. Na verdade, articulavam, defendiam posições e, na hora agá, assumiam o projeto que era o definitivo. Aécio, por ser mineiro — Minas é terra de raposas, como José Bonifácio de Andrada, Antônio Carlos de Andrada, JK, Tancredo, José Maria Alkmin — e, sobretudo, por não ser atoleimado, entendeu que, se partir para o confronto com Dilma, ela com o controle da máquina federal e ele com os sonhos, perderá terreno e, mais, (possíveis) aliados. Assim, se quiser travar uma batalha menos desigual em 2014, Aécio precisa criar uma engenharia política que o mantenha como “Lula do PSDB” e, ao mesmo tempo, que cristalize, ainda mais, a tese de que é um administrador extremamente capaz.
 
A tática tradicional, que não funcionou em três eleições, é bater implacavelmente no governante do PT. Bater significa, por consequência, torcer para que o governo, de Lula, antes, e Dilma, agora, dê errado. Caso o governo dê errado, ótimo — a oposição ganha pontos. Entretanto, como o governo Lula não foi um fracasso, pelo menos não do ponto de vista do eleitorado e do seu excelente marketing, os tucanos foram derrotados em três campanhas. Na última, Lula lançou um nome politicamente fraco, mas sinalizando renovação — bancou uma mulher, um fato histórico ainda pouco dimensionado, e uma política que, por ser técnica (gerente), não era bem política —, e derrotou um nome forte e experimentado, José Serra. O tucano, como se disse, era sólido, tanto que saiu bem na frente, mas era um nome tradicional, paulista, que fez uma campanha previsível. Pode-se dizer que Lula investiu no novo, Dilma, e o tucanato investiu no velho, Serra. Aécio assistiu de camarote, sem poder fazer nada — porque o eleitor, além de votar em quem quer, optou pela continuidade —, mas parece que, rapidamente, extraiu conclusões apropriadas, enquanto parte dos tucanos paulistas, quase sempre dissociados do Brasil real, persiste equivocando-se e avaliando que Dilma ganhou tão-somente porque teve o apoio de um “general eleitoral” imbatível, Lula. Esta é uma explicação, mas, em política, não há só uma explicação para uma derrota. Entre aquela que falava em continuidade, mas sugeria que poderia “renovar” o governo Lula, e o candidato que era o anti-Lula, embora tentasse se apresentar apenas como anti-Dilma, o eleitor ficou com a indicada pelo popularíssimo político pernambucano. Na verdade, o eleitor não apenas optou pela candidata de Lula. O eleitor percebeu que as diferenças entre Dilma e Serra eram, no fundo, mínimas — porque, na sociedade aberta e democrática, não há como os políticos serem muitos diferentes e não há como terem projetos muito destoantes — e, por isso, ficou com aquela que avaliava como mais confiável. O eleitor só gosta de mudar governo que é muito ruim. Porque é, em geral, conservador e, como quase todos os seres humanos, não gosta muito de arriscar.
 
Num primeiro momento, se a mestria de Aécio Neves se tornar hegemônica, contra a raiva elitista dos tucanos paulistas — que não conseguem entender como os “ignorantes” do PT os derrotaram três vezes seguidas —, os líderes do PSDB devem dar uma trégua à presidente Dilma. A organização da casa, depois da gastança eleitoreira e com escasso planejamento do governo Lula, será útil a Dilma, é claro. Mas será vital especialmente para o país. Aécio, que não é um economista requintado como Serra e não é intelectual do primeiro time como FHC, mas é um grande apreciador da verdadeira vida política, das articulações de bastidores e de linha de frente, às claras, percebeu que outro caminho deve ser trilhado. É preciso deixar Dilma governar, recuperar o Estado, porque, assim, as economias estaduais também poderão ser recuperadas. Pode-se depreender que se trata só de cálculo político. A jogada política é um fato, mas há também a aspiração de que a economia precisa estar em ordem para crescer em níveis comparáveis às economias de outras potências. O Brasil tende, a médio ou longo prazo, a se tornar a quinta maior economia do mundo, atrás apenas de gigantes como Estados Unidos, China, Alemanha e Japão. Mas tem de organizar o Estado, tem de torná-lo um indutor menos perdulário, porque  isso fortalecerá a economia privada. O Estado tem de ficar como regulador, porque a livre iniciativa não pode ficar por si própria num mercado que ninguém controla e pelo qual ninguém se sente responsável, sobretudo durante as crises. A trégua a Dilma é política? É, mas também não deixa de ser técnica e econômica.
 
Então, ao admitir que o confronto com Dilma não se dará agora e que terá de ocorrer em níveis diferentes da disputa de 2010, Aécio, com o apoio da maioria dos governadores do PSDB, talvez de todos, articulou outro caminho. As análises dos jornais brasileiros, sobretudo dos goianos, não tocam num ponto crucial, apontado aqui por meio de duas indagações conectadas: por que há uma espécie de “aeciozação” das administrações tucanas? Por que os programas de gestão do governo de Minas estão sendo adotados em vários Estados, e, vale acrescentar, não apenas nos administrados por tucanos?
 
Por mais que se possa duvidar, a primeira razão da “aeciozação” das gestões estaduais não é política — é técnica. Se os Estados continuarem sendo administrados de forma improvisada, gastando mais do que arrecadam, nenhum governador será capaz de fazer obras de e mesmo sem qualidade. Os governadores, sem uma política de gestão eficiente (focada em resultados), similar à das empresas privadas bem-sucedidas, como Gerdau e Ambev, se limitarão a ser pagadores de salários do funcionalismo público. O “título” poderá mudar de “governador”, de gestor dos negócios públicos e de indutor do crescimento e do desenvolvimento, para “pagador de folha”. Como brincadeira, tudo bem. Mas um governador tem de atender os interesses de toda a sociedade, não apenas dos servidores públicos. Atualmente, a crise nos Estados só não é mais grave porque, mesmo com os governos estagnados, a economia é pujante e está puxando o crescimento e o desenvolvimento para cima. Ainda assim, a economia privada precisa do Estado para distribuir (e gerar, às vezes) energia elétrica de qualidade e manter rodovias transitáveis. Em Goiás, a colheita da soja precoce começa no fim de janeiro e os empresários rurais já estão preocupados com a dificuldade de transporte. Porque há perdas no plantio e, por conta das rodovias ruins, no transporte.
 
A segunda razão é mesma política. Se os programas de gestão derem certo, os tucanos poderão fazer uma excelente “colheita” eleitoral em 2012, na disputa pelas prefeituras, e em 2014, na disputa pelos governos dos Estados. Mas não para por aí.
 
Se os programas de Aécio — aliás, nem são de Aécio, são universais, adaptados por Vicente Falconi de vários manuais de administração — derem certo, os tucanos poderão apresentar o político mineiro como aquele que contribuiu para recuperar as economias estaduais. O projeto de “aeciozação” será, assim, levado ao país, num contraponto com o governo de Dilma, que, se conseguir desconstruir o ex-presidente Lula da Silva, será candidata à reeleição. Se Dilma não conseguir desconstruir (não é o mesmo que destruir) Lula, impondo a sua “arquitetura” político-gerencial, dificilmente terá como disputar em 2014. Só se for muito bem conseguirá evitar o clamor por uma volta de Lula. O líder petista diz que não vai disputar a próxima eleição, até para não enfraquecer a sua pupila, mas, se for chamado, até aclamado pelo PT, não fugirá à “imposição” das bases. Aécio, notoriamente, não quer disputar com Lula, um ícone que saltou de petista para nacional, configurando-se como os líderes populistas, tradicionalmente acima do bem e do mal. A Aécio não interessa uma Dilma fraca. Porque talvez seja mais fácil derrotar uma Dilma forte — o que pode soar paradoxal — do que uma personalidade hors-concours como Lula.
 
Os jogos e armações políticos nem sempre dão os resultados esperados. Por isso, Aécio, além do projeto de “aeciozação” das gestões tucanas — o governo de Goiás conta com um secretário da Fazenda, Simão Cirineu, indicado por Aécio e pelo governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia —, articula no front político, ainda que entendendo, como se disse antes, que nada tem a oferecer aos, por exemplo, peemedebistas, que, sabiamente, se apropriaram do governo José Sarney, do governo Lula e do governo Dilma. Não se pode falar nem mesmo em expectativa de poder, a quatro anos das eleições. Aécio é, como se diz na gíria, “macaco velho”. Por isso inspira-se em Lula, que atraiu o PMDB, independentemente das acusações de fisiologismo, para uma composição política e administrativa. Lula e Aécio sabem que, ao contrário do que prega o moralismo da mídia e da sociedade, o PMDB não é pior, em seu realismo extremo, na sua crença de que o homem é o que é e não o que imaginamos que deveria ser, do que os outros partidos (é possível que, com todo o seu realismo, o peemedebismo tenha contribuído para moderar o lulo-petismo). O problema do PMDB é que, sendo um gigante, é mais visível do que PTB, PP, PR e PSB — que estão brigando por cargos num nível semelhante ao partido do vice-presidente Michel Temer. Lula e Aécio sabem que o PMDB, com todos os defeitos, tem sua força, advinda do relativo poder nos Estados, e assim precisa ser cultivado. Para uma eleição nacional, como entendeu muito bem o PT de Lula, mais do que o petismo, não dá para ganhar sem aliados fortes, como o PMDB. Aécio está de olho nisto e, por consequência, não faz julgamento moral; se fizer, estará perdido.
 
Por enquanto, como não dá para operar uma aliança com o PMDB em nível nacional — só Dilma tem o que oferecer, e tem muito —, o tucanato tenta abrir brechas e articula conversas e acordos com o peemedebismo nos Estados nos quais tem governadores. Em Goiás, para ficar num exemplo, líderes do tucanato e do peemedebismo, que são irmãos de sangue e lutaram juntos, no velho MDB, contra a ditadura civil-militar, estão se reaproximando. A parte antiga do PMDB, principal responsável por quatro derrotas sucessivas, por não pensar como Aécio, rejeita a aproximação com o governador de Goiás, Marconi Perillo. Mas a ala jovem (como Thiago Peixoto), que não tem nenhum contencioso com o tucano, e mesmo figuras tradicionais, como Adhemar Santillo, Onaide Santillo, Frederico Jayme Filho, Juarez Magalhães Júnior, Ney Moura Teles e o deputado federal Luiz Bittencourt, querem a reaproximação. Trata-se de mera sobrevivência política? Não só. Apostam num projeto, talvez a médio prazo, que possibilite o retorno de peemedebistas ao governo e ao Senado. Sonho? Pode ser. Mas, com os velhos caciques, a nova geração parece não ter futuro.
 
Aécio e Marconi estão plantando, mas, como tudo na vida, não se sabe o que vão colher. Acreditam, claro, que vão colher o governo federal em 2014. Pelo menos estão buscando um caminho alternativo. Poucos notaram, mas, no discurso de posse, Marconi disse que, em 2014, vai passar a faixa para o sucessor. Muitos avaliam, talvez com razão, que foi apenas um gesto, ou seja, uma crítica indireta a Alcides Rodrigues, que não lhe repassou a faixa. Entretanto, se não foi retórica, é possível que o governador goiano esteja pensando em algum projeto nacional. Marconi é um político profissional, no estilo sugerido por Max Weber, mas governar um Estado por oito, doze ou dezesseis anos é muito desgastante. O candidato a presidente tende a ser Aécio, com um vice do DEM (o possível) ou do PMDB (a esperança), mas Marconi tem o perfil de ministro-chefe da Casa Civil. Sonho? É possível. Mas tudo na vida começa com sonhos e ideias. Os fatos derivam deles.
 
O realismo de Dilma, Aécio e Marconi fazem bem ao país. Eles são políticos que estão torcendo a favor. Porque quem torcer contra — e apostar no quanto pior, melhor — acabará sendo atropelado pela “moira”. Os três estão pensando tecnicamente, ou seja, no melhor sentido político, aquele que diz que só se pode tirar proveito daquilo que gera resultados positivos para a sociedade.
 

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